“Happy Hacking” é o lado positivo de hackear. Em publicidade, hoje, representa o que há de mais moderno como proposta de experiência de marca: deixar que as pessoas mexam no processo criativo de uma ação, interferindo e ajudando a desenhar uma estratégia de comunicação. A agência japonesa Dentsu vem fazendo isso. A interferência das pessoas nos projetos tornou-se parte importante de sua elaboração, num esquema novo de co-criação que, segundo eles, representa uma grande tendência – subversiva sim, e enriquecedora. No Happy Hacking simplesmente não se pode traçar objetivos para um projeto, porque não se sabe aonde as coisas podem chegar.
Um exemplo disso foi o projeto que a Dentsu desenvolveu para a Honda, em parceria com quem quisesse colaborar: um sistema que facilitou o tráfego no Japão pós-tsunami/terremoto. Ao disponibilizar ferramentas para as pessoas, todas puderam entrar numa grande rede de solidariedade e contribuir com informações e serviço. O projeto chamou-se Internavi.
Outro projeto envolveu o lançamento global de uma banda japonesa chamada Perfume. Foi disponibilizado um trecho de um clipe, com passos de dança, de forma que as pessoas podiam inserir no arquivo novos protagonistas, o que gerou uma imensa participação e inúmeras versões dos passos de dança do trio feminino.
Entrevista com Naoko Katayama, diretora de planejamento da Dentsu Holding USA.
Os casos Internavi e do grupo Perfume não teriam funcionado sem alta tecnologia. A tecnologia é essencial ao conceito de Happy Hacking?
Naoko – Enquanto esses dois casos só foram possíveis via tecnologia, o Happy Hacking não consiste apenas em tecnologia. Na verdade é um “approach” à ação e à criatividade que redefinem a relação entre marcas, agências, consumidores e criativos. A tecnologia ajudou a espalhar o Happy Hacking, mas não delimita sua existência. O que é essencial, é um ambiente livre que permite a troca e o desenvolvimento de ideias entre as pessoas.
Qual é o papel da tecnologia para esse novo conceito?
Naoko – A tecnologia é um facilitador, claro, e permitiu que o Happy Hacking se tornasse uma realidade mais rapidamente. Tecnologia adicionou um estímulo e uma adrenalina para tornar os esforços colaborativos mais intensos e divertidos. Especificamente, eu diria que a tecnologia contribui para três coisas: angariar mais participantes (incluir mais pessoas, de mais lugares), aumentar a fluidez (a informação viaja mais rapidamente, em um período mais curto de tempo) e permite maior inovação (resulta em maior impacto, ampliando o engajamento, as possibilidades, as ferramentas).
Você acredita que todo o movimento participativo e de compartilhamento é positivo? Mesmo se o que as pessoas fizerem com uma marca ou ação não for necessariamente útil ou interessante?
Naoko – O valor do Happy Hacking vem de uma sabedoria agregada, coletiva, e também da troca de ideias. No hacking entre marcas e consumidores, enquanto o resultado muitas vezes não é o que se esperava inicialmente, é o processo – o diálogo aberto, a troca criativa, a tentativa e erro e a experiência compartilhada – que eleva a relação. Esse tipo de relação é criada e tem suas bases na confiança, na via de mão dupla. É uma relação recíproca que só é possível e só se estabelece quando marcas dão aos consumidores o poder de se fazerem ouvir. Somente assim a relação tradicional entre o prestador de serviço ou produto e o seu usuário se transforma em uma parceria que incorpora a originalidade e a experiência coletiva. Somente assim o compartilhamento se torna algo positivo, alegre, que leva a uma infinidade de possibilidades e faz tudo valer à pena. É o que eu chamo de “talk worthiness” – quando o diálogo ganha valor, vale à pena.
No futuro as marcas se tornarão propriedades dos consumidores?
Naoko – Se marcas se tornarem propriedades de consumidores, isso significará que tudo a respeito delas será de propriedade e controle deles. Enquanto consumidores se envolvem cada vez mais na criação de conteúdo, as marcas jamais serão 100% deles porque, no final, cada uma precisa ter uma opinião e um ponto de vista que se alinhe com seus valores e missão no mundo. Mesmo que os consumidores conquistem cada vez mais poder para se expressarem e brincarem com os atributos de uma marca, seu ponto de vista não deve jamais ser abandonado, pois esta é sua identidade, sua voz, sua personalidade. É o que a diferencia de outras marcas. Sem um ponto de vista, marcas caem na armadilha de se tornarem apenas um monte de produtos e ferramentas à disposição dos consumidores.
Qual a diferença entre o hacking e a co-criação?
Naoko – Compartilhar, co-criar e o conceito de hacking são diferentes. A co-criação vem antes do happy hacking. O compartilhamento e a co-criação são um passo em direção ao happy hacking – que é mais intenso, mais inesperado e menos estruturado do que a co-criação. O hacking envolve não saber como uma campanha vai evoluir. Em muitos casos, consumidores podem simplesmente ser a audiência e os espectadores de um conteúdo “hackeado” em outra etapa do processo. Podem não ter participado do processo criativo, mas poderão pelo menos acompanhar o resultado. E se o resultado os atrair, então eles podem eventualmente agir como curadores, ajudando a espalhar o conteúdo. No entanto, o hacking pode simplesmente ocorrer na etapa em que a marca e a agência desenvolvem uma estratégia, sem a participação dos consumidores, como no caso do tweet “Oreo Blackout”. Enquanto a audiência era, obviamente, formada por consumidores, a ação foi uma experiência de hacking entre a marca e a agência 360i. Os consumidores ajudaram a amplificar seu impacto, mas não foram envolvidos na criação do tweet propriamente dito.
Dê alguns outros exemplos de happy hacking.
Naoko – O Piece for Peace é um bom exemplo. Para celebrar o 50o aniverário da estação de TV Hiroshima, a Dentsu iniciou uma campanha mundial com o tema da paz com origem em Hiroshima, famosa pelos pincéis de pintura e caligrafia que produz. A campanha girou em torno da criação de uma “fonte da paz” (fonte/letra). A fonte da paz seria formada por uma palavra de cada pessoa que representasse um desejo individual em relação à paz mundial. Sem dúvida Hiroshima é um forte canalizador de diálogo a respeito da paz mundial. Mais de 10 mil palavras foram coletadas e um livro foi produzido com a “fonte da paz”. Foi uma estratégia que uniu pessoas do mundo todo. Também gosto de citar o lançamento do trem bala Kyushu Bullet Train, baseado na interação entre a marca e os consumidores. Foi uma das campanhas mais inusitadas já feitas para lançar uma linha de trem.
O conceito de publicidade está com seus dias contados? Como denominar o que se faz hoje no lugar de “propaganda”?
Naoko – A propaganda nunca morrerá. Só acredito que sua definição e se escopo evoluiram. Ainda que as experiências coletivas e os conteúdos compartilhados e as interações com consumidores tenham seu valor, se isso é tudo o que uma marca faz em termos de comunicação com os consumidores, torna-se fácil perder de vista o posicionamento e a opinião de uma marca. É claro que no mundo de hoje a mensagem publicitária precisa ser muito inovadora e inteligente para conseguir se destacar do “clutter”, no entanto a publicidade ainda se mantém importante para promover e viabilizar o contexto para todas as experiências com a marca, incluindo aquelas que envolvem hacking e colaboração. Então enquanto o conceito de publicidade evoluiu em relação a uma visão mais tradicional, a publicidade se mantém mais viva do que nunca. Integrada a programas de marketing eficientes, a publicidade é muito importante para construir marcas fortes. Nos dias de hoje, as marcas não podem apenas dar aos consumidores a possibilidade de fazerem o que quiserem com elas. Porque no final, o que eles fizerem, deverá agregar valor à experiência com a marca. É aí que o papel das agências enquanto “facilitadoras” torna-se essencial. Enquanto em muitos casos os consumidores deveriam ter o poder de se expressarem livremente, agências devem estar por perto para interferir nos momentos certos, para garantir que o esforço se mantenha valioso e representativo para a marca. Resumindo: agências deixaram de ser agenciadoras de marcas para se tornarem facilitadoras da interação entre marcas e consumidores.
O que você viu de mais interessante no festival de criatividade Cannes Lions 2013?
Naoko – O que vi de mais importante foram marcas integrando suas missões à vida dos consumidores e ao mundo. Não só ampliaram-se as expectativas dos consumidores em relação às marcas, como as próprias marcas passaram a desafiar continuamente umas às outras para obterem valor em um contexto ampliado. Seja ajudando a proporcionar conveniência e melhorias tangíveis ao dia a dia das pessoas, ou contribuindo para que a sociedade empurre a humanidade para a frente, temos visto marcas e produtos sendo avaliados pelas pessoas com base em sua capacidade de fazer alguma diferença no mundo. Consumidores estão mais sofisticados para entender os esforços significativos e genuinos das marcas. Isso levou as próprias marcas a compreenderem melhor e redefinirem seu lugar no mundo. Como o Hiroishi Ishii apontou em um dos seminários em Cannes, o Aegis Media/MIT, “Se vocês são criativos, inovadores, o que querem deixar para seus descendentes? Como querem ser lembrados por seu trabalho?” Esse tipo de pensamento e atitude começamos a ver mais entre as marcas e os próprios criativos. É interessante e encorajador testemunhar como a indústria expandiu e vem evoluindo nessa direção ao longo do tempo.
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